Iluminar os dias, continuando a sonhar que é possível viver...

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Setubal, Portugal
Um abraço, uma palavra, um sorriso... um caminho que poderá ser muito longo. Afinal é possível.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Um dia em franca regeneração.

Interrompo aqui o meu diário, para informar sobre as últimas e recentes informações.Devido ao facto de ter começado a trabalhar, ainda a meio gás, mas que promete melhorar, não tenho tido tempo para organizar as postagens do meu diário. Mas prometo regressar o mais rápido possível.

Quinta-feira, dia 29 de Março...

Que dia bonito está hoje! Estou tão feliz porque me enconteceram duas coisas positivas: Consulta com o Dr Frederico no Garcia da Orta pela manhã, marcou-me análises para dia 13 de Junho, consulta com ele para dia 14 do mesmo mês. E nessa consulta é que me irá passar os exames que tenho de fazer, ecografias e mais tac ou ressonância, radigrafias e o diabo a sete, que nem quero pensar. Mas, hoje, adorei ...à medida que lhe ia fazendo aquelas perguntas necessárias à qualidade de vida quatidiana, já com alguma preocupação do foro estético, tais como "quando posso pintar o cabelo?" " posso arranjar os dentes ?"."Como é que eu vou perder a quilagem que ganhei?"Respostas: podes sim tratar dos dentes, pintar o cabelo. Complementou deste modo " tu hoje em dia nao tens nada!...tu tás boa,mulher!" E eu lá ia me rindo enquanto ele me ia dando uns elogios: " tu és muito esquecida e atrapalhada, vê lá se me levas mais algum documento que está ai em cima da mesa dos outros doentes! depois lá terei que ligar-te como da outra vez!...shi! do pior!...mas deste modo fiquei tão animada que me apeteceu foi cantar-lhe assim uma melodia tipo "cantiga da rua" ou "aldeia da roupa branca" mesmo à grande, com as mãos nas "ilhargas". Muito obrigada por este momento de felicidade, sinto-me em franca regeneração. Nem sei se haverá sevilhanas que aguentem esta minha energia.Até tenho medo de partir uma perna.

Segunda parte do meu dia ganho: ecografia pélvica com sonda, para ver como andam as miudezas. Fui à consulta de ginecologia com a Dra Agueda na terça feira ( anteontem). E hoje fui fazer a tal ecografia.Palavras da Dra :" estás nova, está tudo bem contigo por aqui, ainda bem que o Dr Frederico te receitou a injecção, é que mais um ou dois meses e tinhas cá o periodo menstrual, e vamos ter que lhes dar descanso.O nome da cuja, de via intramuscular " decapeptyl lp 11,25 mg", que levei no hospital hoje, na nadega, deixou-me com um andar desiquilibrado. É que ela é ruim de má! daqui a 3 meses lá terei que levar outra, que juntamente com o tamoxifene, vão proibir a ida de progesterona aos seios.E esta também é anticonceptiva.

Fiquei linda de radiosa que estava. Tenho muita fé que tudo esteja bem, apesar de dores no corpo, certa má disposição pela tarde fora, mas que são residuos da quimioterapia.

Quero também falar de esperança a uma grande mulher que está numa fase inicial dos tratamentos de quimioterapia, e que virá a esta página brevemente. Uma amiga que trabalha no "Douglas, perfumaria", ficou com este endereço para que me venha aqui visitar e a todas as pessoas lindas que aqui deixam mensagens de conforto e de amor ao próximo. Apesar de não nos conhecermos desde a infância, criamos uma empatia, como se tal tivesse acontecido .Partilhamos dores comuns e predesposição para rirmos de uma boa piada ou chorarmos por um mau pensamento. Gostaria de saber o teu nome, queria que deixasses mensagem...queria falar-te do céu, que continua azul, e quando as nuvens se aproximam, por momentos, choramos. Mas o dia continua, até as nuvens se extinguirem na imensidão do azul, e sorrir será sempre uma arma que nos defende e nos dá força.

Temos que saber decretar guerra à doença e a todos os factores que nos metem mais em baixo.Nasce em nós uma alma guerreira que temos de acarinhar.

Também queria agradecer o meu dia ganho a todas as ajudas que me aconteceram desde então e que me iluminam a alma: Ao Doutor Gilberto " o Gil" e ao Doutor Nelson Pinto Correia. Sem eles seria mais dificil, teem sido os meus anjos da guarda.

quinta-feira, 22 de março de 2007

A intervenção cirurgica...

21 de Junho

Eramos 3 para cirurgia, a Amélia às 7h, a "carcaça" de seguida e depois eu. A carcaça era espectacular, foi a senhora que deu entrada comigo ontem pela manhã, e este pseudonimo foi arranjado pelo filho mais novo dela. Inesperadamente a Drª Antonia, mandou inverter as posições, fui a segunda a ser operada. Juntamente comigo, desceu ao piso do rés-chão, também uma auxiliar e uma estudante de enfermagem do 2ºano,
a Ana do Algarve, que assistiu à operação. Fazia um frio tramado na sala de operações, as vestimentas do pessoal eram cómicas, e só me lembro da Dra chegar pertinho e dizer-me " Isabel vou ter que tirar a mama" e eu respondi-lhe "a Dra é que sabe." Ainda ouvi ela dizer" daqui a seis meses faço-te uma nova".

Acordei na sala de recobro, com a Ana ao meu lado a sorrir e a dizer baixinho:" olá, não lhe tiraram a mama". Mas eu já sabia, quando a cirurgia acabou, alguém me acordou ainda na sala de operações, e disse-me exactamente isso. Agradeci, foi um presente. Obrigada.

A Ana ali foi horas mais tarde, contou-me como foram os passos da dita. Então foi assim: a ressonância indicava dois nodulos juntinhos um ao outro, dimensões idênticas, caracteristicas muito semelhantes. Dai a Dra falar-me em tirar a mama. E pelo facto, de um ser benigno, a patologia analisou na altura e por isso não foi necessário tirar o seio. Seguiu-se esvaziamento axilar.Não tinha dores, fiquei muito contente com a visita do meu marido e do meu irmão, quando estava ainda no recobro, meio ensonada.

terça-feira, 20 de março de 2007

O dia anterior...

Um bonito dia azul e já se sentia o calor que espreitava a manhã. A Ana do colégio, telefonou a perguntar se podia levar o Miguel à praia no dia seguinte, juntamente com mais alguns meninos. A sensibilidade da Ana foi oportuna, a praia iria cansa-lo, dormiria melhor pela noite, sentiria menos a minha falta. Lavei-o, vesti-o, e pedi à Ni que o levasse a colégio. Ia todo giro! com a fatiota azul e branca do colégio, chapeuzinho vermelho. Ali fiquei eu, depois de o beijar encostada à porta, sem saber quando o voltaria a ver. Disse ao Joel, que não queria o menino nas visitas do hospital. Não seria bom para mim nem para ele.

Parei na BP para comer um pão com manteiga e beber um chá. Eu e o Joel, falavamos de tudo e de nada. Disse-lhe no meio da conversa " Se me tirarem a mama...vai ser um segredo nosso". Logo de seguida apercebi-me da frase estúpida, seria um segredo inútil, porque o nosso corpo só a nós pertence, e a massa cinzenta não está num par de mamas. Sei que vou ultrapassar qualquer dano fisico, podem mutilar-me, retirar o que está mal...se ficar viva, vou superar tudo isto, sempre com este ar de que sou bela de qualquer maneira. Ainda assim haja solução para continuar a viver. A falta de auto-estima não é para mim, à não é não!
E vamos lá. Só pensava "que dia bonito...começo do verão..vai tudo correr bem" .

10 horas, lá estava a porta do 4ºpiso, ginecologia, eramos duas a ser internadas, uma senhora de sessenta anos, mais ou menos, e eu. Á porta veio, com a folha da "diária", uma loirinha, que é professora de enfermagem da escola da Costa da Caparica, e que vistoria os estudantes de enfermagem, que não só se passeiam pelos corredores, muito sorridentes, mas que desenvolvem um trabalho louvável de humanidade junto dos doentes, apesar das suas tenras idades. Apresentou-me o Tiago, ele iria instalar-me no meu quarto, pensei: " si senhor! parece que entrei num hotel!... ficou uma lágrima no cantinho do olho, ao ver o Joel virar costas e aproximar-se do elevedor para sair. O Tiago disse:"ele pode entrar, pode-lhe fazer companhia". Respondi-lhe que não queria.Entramos n quarto n-7, 3 camas, fiquei na cama mais proxima da saida. O Tiago preparava-se para fazer o questionário de rotina, e eu só pensava, "tomara que a estada por aqui, passe a correr", ainda faltava a ressonância!..`as 17 h... Conversa com o Tiago, vamos lá inverter o questionário, afinal quem é o Tiago?...um rapaz de 19 anos, no 1ºano de enfermagem, muito sorridente, com uma mágoa no coração, ainda recente... perdera a mãe a 4 anos, neste hospital. Com esta malvada doença, na pele...foi tudo muito repentino, o seu internamento urgente, o nada a fazer, e pronto...Ao Tiago, a perda indicou-lhe a profissão que gostaria de seguir... lado a lado, com casos idênticos, saber o quanto inadeável é a morte... o tabu do desconhecido, do fim. Todos sabemos, que um dia...será o nosso. Mas não sabemos aceitar que não somos nós que escolhemos, principalmente quando achamos que a nossa missão, ainda não terminou. Conversamos bastante tempo, que até me esqueci de o mandar escrever "hipotiroidismo" que também faz parte do rol das minhas doenças actuais.
Telemovel desligado.Não almocei, espalhei livros e revistas pela mesa de cabeceira, que não li. Uma moldura, uma foto, pendurado por cima, o fio da nossa sra Fátima que a Manuela me deu. Lá estava eu sempre na conversa com alguém, ora com a minha vizinha do lado, ora com a enfermagem, ou com os alunos (conheci a Rute, a Ana do Algarve. São tão simpáticos, tão jovens e saudaveis, ainda bem que esta gente se passeia por aqui para me alegrar).

As 17h, desci ao rés do chão, acompanhada por uma auxiliar, para o raio da ressonância que é chata de se fazer, incómoda. Ficar ali naquela posição de peito para baixo, meio encaixada no aparelho, a ouvir uns martelinhos. Perdi a soma do tempo que ali fiquei, a enfermeira entrou na sala, lá vai mais contraste, voltou a sair. Talvez três quartos de hora depois, lá fiquei, despachadinha. Com uma fúria, direito à porta da rua..."são os cheiros que me incomodam!", desejava ar puro, ou semi-puro.Era a correria das visitas a entrar e a sair, e eu de batinha verde a passear nas lojinhas da liga dos amigos, e a apreciar os quadros de pintores da região, aguarelas e acrilicos, bem interessantes. E quando me apeteceu, lá fui para o quarto.Caramba, mas levei um descasco da auxiliar que andou à minha procura, que me arregalou os olhos e até me cuspia: "é uma grande responsabilidade menina, você devia ter vindo para cima comigo, não me volte a fazer uma coisa destas!"dizia-me ela e eu lá disse meio a sorrir " á pois não, e sabe porquê?...porque aqui do piso para fora, depois da cirurgia, só para a minha casa!".
Hora dos comprimidos, para dormir, "foi tiro e queda!".

terça-feira, 13 de março de 2007

Um oásis...

O mês de Junho

Um porto seguro, um oásis, uma fortaleza...sei lá! uma mãe. Hoje em dia, tenho muita falta de mãe, muita falta do colo da mãe. Tenho pensado tanto nela, na sua fragilidade e bondade. Ela partiu à 10 anos, e sempre ficou a culpa de não ter passado mais tempo ao seu lado. Por outro lado, reconforta-me ela não ter assistido ao inicio dos nossos males, com um nome tão feio...eu com cancro na mama e o meu irmão com um tumor na hipofise. É danada, a vida!... prega-nos cada rasteira! Andava eu a pensar que o trabalho dignificava, enquanto alimentava um desconhecido no meu proprio corpo, que quase me destruia se não fosse a minha prespicácia... (quer dizer, é uma prespicácia relativa, podia ter sido mais atenta).

Pela manhã, o Miguel acorda e diz logo: "mã...qué leta!"Depois é vesti-lo, o que não é tarefa fácil, porque tenho pouca força no braço direito, e ele é bastante irrequieto. É uma luta matinal a dois, mas lá conseguimos. Acabamos a tarefa na casa de banho com a lavagem dos dentinhos, da cara e das mãos. E o perfume da chicco, que eu adoro e ele também. “ que cheiinho mãe”.
Chegamos ao colégio por volta das dez horas e ele fica feliz quando vê os amigos, a Ana, A Zezinha ou a Inês. Esta semana, já falei com a Ana, a dona do colégio, disse-lhe que a minha prioridade era o meu bébé, e o seu bem-estar. E mais agora que estava ameaçado, porque iamos todos passar por uma fase menos boa. Que me iria ausentar uns dias, iria ser internada, e agradecia que o apoiassem um pouco mais, e estivessem mais atentas a sinais estranhos, da parte dele. Talvez tenha saudades minhas, talvez se vá sentir desamparado, talvez imagine na cabecinha dele que o abandonei por algo que tenho feito. Sei lá! o que pode passar naquela cabeça pequenina. Coisas de mãe galinha, que é o que sou, e bastante atrapalhada, às vezes.Ele tem sido sempre bem tratado lá, é um facto, gosta das pessoas, tem lá os amiguinhos, o “baquio” o “ Boi”, o Duarte e o Salvador são os seus nomes, estão com ele desde o berçário. Vou sempre levá-lo de manhã e quando o vou buscar...corre-me para os braços, muito feliz “mãmã…mama”.

Tenho ido ao escritório, tentar fazer alguma coisa que justifique a minha ida lá, e porque o trabalho é sempre muito, e em Junho há muita papelada para preencher, e prazos para cumprir. E apesar de não ser a dona do negócio, sinto-me responsável pelo meu trabalho. Assim que entro pela porta do escritorio, a minha colega da recepção, a Manela, vem logo beijar-me, abraçar-me e fica ali com a lágrima no canto do olho. E diz-me: "Isto vai passar, oxalá passe o mais depressa possível!... vem para o pé da gente". Dou sempre uma satisfação ao Sr Luis, mas ele diz-me " cura-te, nada de pressas!". As minhas colegas, ficam ali a fazerem perguntas sobre tudo o que se tem passado comigo, as idas ao hospital, as consultas. Enfim, a Ana, a Betinha, a Teresa, a Paula, o Manuel, a Elisabete, o Amilcar, o Felipe...enfim colegas e amigos para a vida. Também eles tem estado presentes via telefone o mais que podem.E lá passo umas horas no escritório, a sentir-me útil, quase na ilusão que tudo esta no seu devido lugar. Até eu. Que tenho a minha rotina diária como antes, como se tudo estivesse igual. Mas o tempo é outro, a corrida agora é para a cura. A Manela tirou do seu pescoço, um fiozinho que mandara benzer em Fátima e pendurou-me no meu. " Que a nossa Senhora te proteja".

Tambem limpava a alma a falar com a Xana, no café S.Lourenço. Ela já foi operada à 3 semanas, a um carcinoma ductal invansivo e está tudo a correr lindamente.As cicatrizes estão bonitas, ela está muita animada, é extremamente forte...é a tal força que vem não se sabe de onde, e que nos acompanha. Mas esta menina de 37 anos, é uma guerreira, e sua boa disposição dá-me ânimo e esperança. A Maria Laura, mais uma lutadora, com o mesmo diagnostico, mas que está a perfazer os 5 anos de tamoxifeno, é uma vencedora, tá visto. São elas que me falam de vida, são elas que sofrem da minha dor.

A minha familia, que são as pessoas mas próximas, tem estado perto. Também tem o seu trabalho, problemas, e tenho receio de os empanturrar se estivermos sempre a falar do mesmo...e porque não devo contar certos pormenores da doença ao meu irmão, para ele não ter insónias. A Ni, minha sobrinha, tem estado por perto, leva o Miguel para passar algumas horas durante a tardinha com eles e por vezes, janta lá. Para se ir habituando, e não estar sempre só comigo ...preparação para os tempos da cirurgia.

sábado, 10 de março de 2007

O que virá...o que será e como?

Junho, antes da cirurgia.

Debatia-me entre as várias dúvidas e medos, até ao resultado dos exames.Chegava a ir aos foruns passear, para me distrair um pouco, e correr as livrarias, lia tudo quanto eram títulos e resumos de livros de saúde, até ganhar uma fobia interessante: medo de andar sozinha no meio de desconhecidos... de tal modo, que chegava a fugir dos supermercados, dos foruns, não conseguia ir a um cinema...sentia-me sozinha e com pouca confiança em mim. Até achava desnecessário comprar peças de roupa, punha em causa o tempo que me restava para as usar...e precisava de comprar uns pijamas para levar para o hospital.Mas isto tá do pior!

Dia 7 Junho

Ressonância magnética aos seios. Ah pois é!... já lá estava com a batinha vestida, com a agulha no bracinho, quando comentei com a enfermeira que estava com o periodo menstrual, "decerto não haveria problema!, ninguém me perguntou isso". Ela saiu, e quando regressou, disse-me que afinal não iria fazer naquele dia, porque o indicado seria fazer-se a ressonância quinze dias depois do periodo menstrual, para que os resultados fossem mais acertados. Fixe!...
Ora isso será pra ai a vinte e dois ...dia da cirurgia. E agora?...só espero que isto não altere a marcação da esperada intervenção.

Mas o bom deste dia foi a minha cintigrafia óssea, deram-me o resultado para que mostrasse à Dra Antónia, mas eu nem esperei para abri-la e qual foi? pois é..."exame sem evidência de envolvimento secundário", e se eu tinha dores nos ossos! Mas lá também menciona que havia aumento de captação do radiofármaco nas articulações acrómio-claviculares, sugerindo patologia degenerativa osteo-articular. Coisas da idade!
Fui logo de seguida mostra-lo a Dra Agueda que estava nas urgências de obstetrícia, ela ficou contente por mim...com um sorriso quase tão grande como o meu. E eu quando me despedi dela, ainda lhe disse " como é possível eu estar tão contente?... quase me esqueci que ainda tenho a neoplasia. Talvez o mal não seja tão grande."
Também os outros exames deram negativo. Graças a Deus! vamos lá a mais uns dias, com muita força ... todos os dias valem! como se fossem o último ou o primeiro de muitos. Quero tentar estar bem comigo...acreditar que vou ficar boa...bendita ciência.