Iluminar os dias, continuando a sonhar que é possível viver...

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Um abraço, uma palavra, um sorriso... um caminho que poderá ser muito longo. Afinal é possível.

terça-feira, 20 de março de 2007

O dia anterior...

Um bonito dia azul e já se sentia o calor que espreitava a manhã. A Ana do colégio, telefonou a perguntar se podia levar o Miguel à praia no dia seguinte, juntamente com mais alguns meninos. A sensibilidade da Ana foi oportuna, a praia iria cansa-lo, dormiria melhor pela noite, sentiria menos a minha falta. Lavei-o, vesti-o, e pedi à Ni que o levasse a colégio. Ia todo giro! com a fatiota azul e branca do colégio, chapeuzinho vermelho. Ali fiquei eu, depois de o beijar encostada à porta, sem saber quando o voltaria a ver. Disse ao Joel, que não queria o menino nas visitas do hospital. Não seria bom para mim nem para ele.

Parei na BP para comer um pão com manteiga e beber um chá. Eu e o Joel, falavamos de tudo e de nada. Disse-lhe no meio da conversa " Se me tirarem a mama...vai ser um segredo nosso". Logo de seguida apercebi-me da frase estúpida, seria um segredo inútil, porque o nosso corpo só a nós pertence, e a massa cinzenta não está num par de mamas. Sei que vou ultrapassar qualquer dano fisico, podem mutilar-me, retirar o que está mal...se ficar viva, vou superar tudo isto, sempre com este ar de que sou bela de qualquer maneira. Ainda assim haja solução para continuar a viver. A falta de auto-estima não é para mim, à não é não!
E vamos lá. Só pensava "que dia bonito...começo do verão..vai tudo correr bem" .

10 horas, lá estava a porta do 4ºpiso, ginecologia, eramos duas a ser internadas, uma senhora de sessenta anos, mais ou menos, e eu. Á porta veio, com a folha da "diária", uma loirinha, que é professora de enfermagem da escola da Costa da Caparica, e que vistoria os estudantes de enfermagem, que não só se passeiam pelos corredores, muito sorridentes, mas que desenvolvem um trabalho louvável de humanidade junto dos doentes, apesar das suas tenras idades. Apresentou-me o Tiago, ele iria instalar-me no meu quarto, pensei: " si senhor! parece que entrei num hotel!... ficou uma lágrima no cantinho do olho, ao ver o Joel virar costas e aproximar-se do elevedor para sair. O Tiago disse:"ele pode entrar, pode-lhe fazer companhia". Respondi-lhe que não queria.Entramos n quarto n-7, 3 camas, fiquei na cama mais proxima da saida. O Tiago preparava-se para fazer o questionário de rotina, e eu só pensava, "tomara que a estada por aqui, passe a correr", ainda faltava a ressonância!..`as 17 h... Conversa com o Tiago, vamos lá inverter o questionário, afinal quem é o Tiago?...um rapaz de 19 anos, no 1ºano de enfermagem, muito sorridente, com uma mágoa no coração, ainda recente... perdera a mãe a 4 anos, neste hospital. Com esta malvada doença, na pele...foi tudo muito repentino, o seu internamento urgente, o nada a fazer, e pronto...Ao Tiago, a perda indicou-lhe a profissão que gostaria de seguir... lado a lado, com casos idênticos, saber o quanto inadeável é a morte... o tabu do desconhecido, do fim. Todos sabemos, que um dia...será o nosso. Mas não sabemos aceitar que não somos nós que escolhemos, principalmente quando achamos que a nossa missão, ainda não terminou. Conversamos bastante tempo, que até me esqueci de o mandar escrever "hipotiroidismo" que também faz parte do rol das minhas doenças actuais.
Telemovel desligado.Não almocei, espalhei livros e revistas pela mesa de cabeceira, que não li. Uma moldura, uma foto, pendurado por cima, o fio da nossa sra Fátima que a Manuela me deu. Lá estava eu sempre na conversa com alguém, ora com a minha vizinha do lado, ora com a enfermagem, ou com os alunos (conheci a Rute, a Ana do Algarve. São tão simpáticos, tão jovens e saudaveis, ainda bem que esta gente se passeia por aqui para me alegrar).

As 17h, desci ao rés do chão, acompanhada por uma auxiliar, para o raio da ressonância que é chata de se fazer, incómoda. Ficar ali naquela posição de peito para baixo, meio encaixada no aparelho, a ouvir uns martelinhos. Perdi a soma do tempo que ali fiquei, a enfermeira entrou na sala, lá vai mais contraste, voltou a sair. Talvez três quartos de hora depois, lá fiquei, despachadinha. Com uma fúria, direito à porta da rua..."são os cheiros que me incomodam!", desejava ar puro, ou semi-puro.Era a correria das visitas a entrar e a sair, e eu de batinha verde a passear nas lojinhas da liga dos amigos, e a apreciar os quadros de pintores da região, aguarelas e acrilicos, bem interessantes. E quando me apeteceu, lá fui para o quarto.Caramba, mas levei um descasco da auxiliar que andou à minha procura, que me arregalou os olhos e até me cuspia: "é uma grande responsabilidade menina, você devia ter vindo para cima comigo, não me volte a fazer uma coisa destas!"dizia-me ela e eu lá disse meio a sorrir " á pois não, e sabe porquê?...porque aqui do piso para fora, depois da cirurgia, só para a minha casa!".
Hora dos comprimidos, para dormir, "foi tiro e queda!".

2 comentários:

Anixinh@ disse...

Ola Isa td bem
eu nunca cheguei a ser operada , não sei o que é perder algo que pertence ao nosso corpo , acho que tu e todas as mulheres que passam por isso tem que ser verdadeiramente muito , muito fortes na altura da cirurgia , e ainda mais depois , acho que deve ser um choque quando nos olhamos ao espelho pela 1º vez depois de nos ser tirado algo nosso , mas
amiga o mais importante é que foi um passo para a tua cura , e que logo logo tudo vai ficar bem , vais ver , aliais tu es uma super mulher , nota se pela tua maneira como esvreves , como contas a tua historia sem tabus e isso é bom muito bom , nós não podemos mostrar medo a este monstro , ele é que tem que ter medo de nós ,
não se devia meter com mulheres como nós ( ALIAS COM NINHEM)
Vamos sorrir sempre , não é amiga?

amanha lá vou eu fazer o 4º vamos ver como corre .

Um grande beijinho com muitooooo carinho para ti
Anixinh@

Anônimo disse...

Ola Ana
obrigada pelas tuas palavras, transmites muita força, e hoje vai ser a 4ª, e ja falta menos um. Passa no instante, vais ver, rumo à cura. Olha amiga, mas não chegaram a tirar-me a mama.Vais ver o proximo post. Muitos beijinhos. Isa.